Gestão de conflitos nas empresas familiares: a relevância da comunicação para o processo

 

Considerações iniciais

Como já descrevemos em artigos anteriores desta série, do ponto de vista social, a empresa familiar é composta por uma realidade complexa. Por um lado, a família é formada por indivíduos ligados por vínculos de sangue, parentesco ou afinidade, com problemas e características peculiares, cuja evolução forma um tipo específico de cultura.

Por outro lado, a empresa familiar é uma organização orientada por objetivos econômicos e formada por pessoas da família que desempenham papeis na governança e na gestão, muitas vezes sobrepostos (acionista, diretor etc.), cuja evolução também compõe uma cultura.

Desta composição é formada a cultura organizacional das empresas familiares e nela estão inseridas as suas capacidades competitivas, estão fundamentadas as bases da sua estratégia e a “escola” que forma os estilos de direção dos seus futuros dirigentes.

Conceitualmente pode-se dizer que a cultura de uma empresa está ancorada em três elementos:

  • ARTEFATOS – são objetos visíveis considerados tradicionais na empresa, como móveis na sala do fundador, marcas, formas e cores de decoração de espaço físico etc. E são expressões audíveis, como frases típicas repetidas pelos corredores, narrações de histórias de superação de dificuldades ou de sucesso. Os artefatos são conservados nas empresas como símbolos de sobrevivência, da capacidade de superação de dificuldades e longevidade;
  • VALORES – são máximas que influenciam nos momentos de definição de ações operacionais, como preferência pelo autofinanciamento de investimentos, elevados níveis de exigência de qualidade de trabalhos internos, descompromisso com horários de início e término de reuniões, entre outras;
  • PRINCÍPIOS – são fundamentos mais profundos da maneira particular que uma empresa atua. São formados normalmente pela consolidação de resultados positivos gerados por valores ao longo do tempo e estão normalmente relacionados a questões de cunho estratégico. Por exemplo: tomada de decisões por consenso no conselho administrativo, entre outras.

É natural que exista alguma dificuldade na fronteira entre valores e princípios, até porque a formação da cultura é um processo dinâmico no qual alguns valores dão origem aos princípios. De qualquer forma, é válida a separação em elementos para facilitar o nosso entendimento.

Neste contexto de valores e princípios que compõe a cultura das empresas familiares, apesar da formação da cultura organizacional ser influenciada por um grupo de pessoas, a influência de quem a lidera é muito maior.

Normalmente são um ou dois líderes que executam o poder durante um período suficientemente longo e acabam moldando a cultura da organização com as próprias preferências e estilos.

Continue a leitura e entenda mais sobre esse assunto, a partir dos tópicos abaixo:

  • Percepções vs expectativas: a origem dos conflitos
  • Comunicação: elemento chave na gestão de conflitos
  • Considerações finais

 

Percepções vs expectativas: a origem dos conflitos

Os conflitos são inevitáveis no ambiente corporativo e em uma boa gestão, eles devem ser controlados com ferramentas que contribuam para a solução e tratamento, para que sejam mantidos em níveis razoáveis.

Para isso, precisamos entender como eles são gerados nas organizações.

A maioria dos conflitos são gerados porque cada um de nós constrói expectativas diferentes em função do nosso modelo mental da realidade.

As pessoas e os grupos de pessoas, em função de toda a sua existência, constroem seus valores, suas crenças, seus princípios e a sua forma de “ver o mundo”, isso vai moldando a nossa atitude. Portanto as diferenças de percepções ocorrem devido às diferenças dos modelos mentais (cognitivos) das pessoas.

Essas diferenças fazem que, ao longo do tempo, as pessoas e os grupos criem diferentes expectativas sobre o que acontecerá no futuro, em função dos acontecimentos que estão ocorrendo no presente.

As expectativas dependem, portanto, de como os fatos são encarados. Costumamos preencher os “vazios” da comunicação com o nosso modelo mental da realidade. Diferenças nos processos de percepção provocam, por consequência, diferenças de expectativas e são elas que provocam os conflitos.

 

Comunicação: elemento chave na gestão de conflitos

Se o conflito provém, na maioria dos casos, das diferenças de expectativas das pessoas, na gestão de conflitos devemos trabalhar na prevenção ou minimização dessas diferenças de expectativas, e sendo assim a comunicação torna-se um elemento chave.

O processo de comunicação entre as pessoas nas empresas familiares é fundamental para que as diferenças entre percepções e expectativas sejam minimizadas e por consequência seja reduzido a possibilidade de conflito.

Quanto mais “arestas” ou “vazios” os processos de comunicação da empresa promoverem, maior a possibilidade das pessoas construírem as expectativas em função do seu modelo mental de realidade e, portanto, maior a possibilidade de conflitos.

 

Modelos negativos de comunicação

Temos observado ao longo da nossa vivência em projetos de consultoria em empresas familiares que os traços culturais são carregados de características de comunicação que nem sempre são positivas. Destacamos a seguir quatro estilos que consideramos modelos negativos de comunicação:

  • EVITAÇÃO – “Eu não falo mais nada”. “Prefiro não falar com ele”;
  • TRIANGULAÇÃO – “Fale com fulano. Não me meta mais nisso, pois não quero problemas”; “Diga a beltrano que assim não podemos continuar e que mude seu comportamento”;
  • NEGAÇÃO – “Na verdade, nós nos comunicamos muito bem”; “Sempre concordamos”;
  • ACUSAÇÃO – “Ela é uma pessoa de personalidade insuportável. Eu faço o que está ao meu alcance, mas ela não muda”.

Com a aplicação desses modelos negativos, a má qualidade da comunicação faz com que se desenvolva processos de isolamento entre diferentes grupos. Cada um desses grupos acaba por preencher a falta de informação proveniente dos demais grupos por suposições e explicações que quase sempre não correspondem à realidade.

Essas situações são bombas-relógio para geração de conflitos internos tanto entre os membros da família quanto entre os demais colaboradores da empresa.

Percebemos que as empresas têm muita dificuldade de tratar questões de comunicação sozinhas e acertadamente acabam procurando ajuda externa para contribuir na solução deste tipo de problema.

 

Canais de comunicação como prevenção de conflitos

Para uma gestão de conflitos eficiente, é fundamental que as empresas familiares criem canais de comunicação formais para que os processos de comunicação sejam mais qualificados e gerem menor margem para grandes diferenças de percepções e expectativas das pessoas e familiares.

A seguir listamos algumas iniciativas que são eficientes neste sentido, porém demandam um esforço muito grande na implantação, até que a cultura organizacional seja impactada ao ponto de incorporar esses novos valores:

  • Reuniões sistemáticas formais conduzidas pelos líderes das áreas com agenda pré-definida e o devido registro das ações definidas;
  • Reuniões sistemáticas de gestão conduzidas pela gerência e alta administração com a sua liderança também com agenda, temas e respectivos registros;
  • Processo de avaliação de desempenho e feedback (pelo menos 180º, onde o liderado possa avaliar e dar feedback ao seu líder) formal em todas as áreas e níveis da empresa;
  • Implantação de grupos de trabalho de ações de melhoria com objetivo e formato muito bem definidos;
  • Implantação de processos de comunicação estratégica para que todos os colaboradores da empresa saibam com muita transparência a visão, metas e resultados da empresa.

 

Considerações finais

A VBMC Consultores é uma  empresa de consultoria empresarial que se tornou especialista em consultoria de gestão para empresas familiares e gestão de conflitos devido justamente à grande concentração de clientes deste tipo ao longo dos anos de serviços prestados. Nossos projetos e soluções foram se moldando para atender às necessidades deste grupo de empresas que demandam alguns pontos peculiares.

Acompanhe os outros artigos desta série e querendo conhecer mais sobre gestão de empresas familiares entre em contato conosco.

Para quem deseja se aprofundar neste tema, recomendamos a leitura do excelente livro Gestão da Empresa Familiar de José Carlos Casillas, Adolfo Vázquez e Carmen Díaz.

– Leia também:

 

Autor: Rodrigo de Paula | Sócio da VBMC Consultores

 

Compartilhar:
Fale Conosco
Fale Conosco