Teoria do Flow: o que é, principais elementos e como usufruir

 

Introdução

Temos percebido, ao longo dos últimos anos, uma presença cada vez maior de estudos científicos da área da psicologia contribuindo positivamente no ambiente corporativo, nas relações interpessoais, no clima organizacional e no desenvolvimento das competências de liderança.

Conceitos como inteligência emocional e muitas outras habilidades comportamentais, que anteriormente estavam mais restritos ao ambiente acadêmico da psicologia, tomaram muita força no mundo corporativo nas últimas décadas, no sentido de contribuir com o bem-estar das pessoas e com os resultados organizacionais.     

Atrelado a isso, está cada vez mais comum sermos acometidos por transtornos como depressão, ansiedade, burnout, entre outros. São questões que comprometem a saúde, o bem-estar e o desempenho das pessoas no ambiente de trabalho.

Neste contexto que o professor húngaro de sobrenome quase que impronunciável, Mihaly Csikszentmihalyi, chefe do departamento de psicologia da Universidade de Chicago, descreve em seu livro FLOW: A Psicologia do Alto Desempenho e da Felicidade, um resumo de décadas de pesquisa sobre aspectos positivos da experiência humana – alegria, criatividade, o processo de envolvimento pleno com a vida – que ele denomina de flow.

Flow não é um livro popular de autoajuda que pretende descrever dicas de como ser feliz. Muito pelo contrário, Mihaly afirma que a vida feliz ou bem vivida é uma criação individual e não existe uma receita geral, mas o autor apresenta alguns princípios que podem contribuir para que nós tenhamos uma vida mais repleta de flow. 

Saiba mais sobre a teoria do flow, também conhecida como teoria do fluxo, abaixo! Continue a leitura e confira:

  • O que é flow? 
  • Diferença entre prazer e flow
  • Alguns elementos do flow
  • O paradoxo do flow no trabalho
  • Considerações finais

 

O que é flow? 

Todos nós já tivemos aquela sensação de estarmos muito compenetrados no que estamos fazendo ao ponto de parecer que nada mais está acontecendo ao nosso redor, seja em uma atividade no trabalho, seja em uma atividade esportiva ou qualquer atividade do nosso cotidiano. 

Todos nós já tivemos também aquela sensação boa, que muitas vezes ocorre conjugada com um “arrepio” nas costas, no momento que tomamos a consciência sobre algo que conseguimos realizar, seja a conclusão de um trabalho importante, a solução de um problema no trabalho, a vitória de um jogo esportivo, enfim, quem nunca?

Mihaly define flow como: “um estado mental que acontece quando uma pessoa realiza uma atividade e se sente totalmente absorvida em uma sensação de energia, prazer e foco total no que está fazendo. Em essência, o flow é caracterizado pela imersão completa no que se faz, e por uma consequente perda do sentido de espaço e tempo.”

Durante décadas em diferentes partes do mundo, pelo método de amostragem da experiência, Mihaly tabulou as descrições das sensações das pessoas em mais de 100 mil momentos diversos e representativos da vida de cada uma delas. 

Duas questões relevantes foram diagnosticadas:

  1. Esses estudos constataram que atividades muito distintas eram descritas de modo muito parecido quando as coisas corriam bem. Desde músicos compondo até jogadores em um campeonato de basquete, descreviam o flow de forma muito parecida;
  2. Independentemente de cultura, estágio de modernização, classe social, idade ou gênero, os participantes da pesquisa descreveram o flow de modo muito similar. Desde atividades de meditação a atividades de adolescentes andando em bando pelas ruas, geravam sensações muito parecidas.

Os resultados da pesquisa da teoria do flow não são utilizados apenas para fins acadêmicos. Eles têm sido utilizados para contribuir com a qualidade de vida das pessoas, em práticas de psicoterapia clínica, na criação de currículos escolares experimentais, no treinamento de lideranças e em projetos de produtos e serviços de lazer e entretenimento.

 

Diferença entre prazer e flow

Ao pensarmos em que tipo de experiência pode tornar a vida melhor, as primeiras coisas que vêm à mente da maioria das pessoas estão atreladas aos prazeres da vida: boa comida, sexo, viagem a lugares interessantes, estar cercado de pessoas queridas com equipamentos de última geração. 

Mihaly afirma que o prazer é um componente importante da qualidade de vida, mas não traz felicidade em si. “Sono, comida e sexo oferecem experiências homeostáticas restauradoras que devolvem ordem à consciência após as necessidades do corpo se intrometerem e levarem à entropia psíquica. Mas não geram crescimento psicológico. Não apresentam complexidade ao self.”

Quando as pessoas ponderam com mais profundidade sobre o que torna a vida gratificante, tendem a ir além das lembranças prazerosas e recordam que eventos geram sensações que sobrepõem as prazerosas, as sensações de flow.

Os eventos que trazem flow ocorrem não apenas quando a pessoa cumpriu a expectativa ou satisfez sua necessidade ou um desejo, mas quando foi além da sua programação e alcançou algo inesperado. O flow é caracterizado por esse movimento de evolução positiva, de realização.

Disputar uma partida esportiva difícil que contribua com a melhoria do nosso jogo, ler um livro que mostre a realidade sob nova perspectiva ou encerrar com sucesso uma boa negociação é motivo de flow.

Esses eventos não são necessariamente prazerosos enquanto estão ocorrendo, mas quando lembramos deles costumamos dizer que “foram divertidos” e normalmente desejamos que aconteçam novamente.

Por outro lado, experiências que trazem prazer também podem trazer flow, mas Mihaly afirma que são sensações bem distintas. Por exemplo, todo mundo tem prazer em comer, porém apreciar uma refeição é mais difícil. Um gourmet aprecia comer e presta atenção suficiente na refeição, investe energia psíquica suficiente, ao ponto de discriminar os vários sabores oferecidos.

 

Alguns elementos do flow

A parte da pesquisa de Mihaly que se refere ao estudo da fenomenologia, aponta elementos do flow, ou seja, os pesquisados ao relatarem como se sentem no ápice da experiência positiva, normalmente mencionam algumas questões bem específicas.

O conhecimento destes elementos contribui para que possamos transformar os momentos mais monótonos da vida cotidiana em eventos que nos ajudam a buscarmos o flow.

 

1. Uma atividade desafiadora que exige habilidades

Podemos ter sensações prazerosas por diversos motivos, como escutar um trecho de uma música ou avistar uma linda paisagem, mas a maioria dos relatos dos pesquisados trazem a presença de atividades direcionadas a uma meta e limitada por regras, ou seja, atividades que exigem investimento de energia e que não poderiam ser realizadas sem habilidades apropriadas.

Esse elemento está presente na esmagadora maioria e representa um caso universal. Exemplos de atividades que trouxeram esse elemento são:

  • Ler: exige atenção concentrada, tem uma meta, é necessário conhecer as regras da linguagem escrita para realizá-la, capacidade de traduzir palavras em imagens, se colocar no lugar dos personagens, conhecer questões relacionadas ao texto, criticar e avaliar o estilo do autor, entre outras;
  • Interação com pessoas: a princípio parece uma exceção, mas interagir com pessoas exige sim habilidades. Toda interação com pessoas traz oportunidades e desafios (metas) que exigem habilidades adequadas para serem superadas, os mais tímidos comprovam muito bem essa afirmação;
  • Competição esportiva: uma maneira simples de encontrar desafios que exige habilidades é entrar em uma situação de competição esportiva. 

 

2. A fusão entre ação e consciência

Quando todas as habilidades relevantes da pessoa são necessárias para lidar com os desafios de uma situação, sua atenção fica completamente absorvida pela atividade. Como resultado, as pessoas ficam tão envolvidas no que estão fazendo que a atividade se torna espontânea e elas param de ter consciência em si mesmas como estando separadas das ações que estão realizando.

Nestas situações sua concentração é completa na tarefa do momento, sua mente não fica vagando, você não pensa em outra coisa.

 

3. Metas claras e feedback

Quando as metas são claras e o feedback é imediato, o flow é favorecido. O jogador de tênis sabe que tem de devolver a bola à quadra adversária. Sempre que acerta a bola na posição que gostaria, sabe se foi bem ou se foi mal. Situações como essa favorecem o flow.

 

4.A perda da autoconsciência e a transformação do tempo

Como a atividade nos absorve por completo, não sobra atenção suficiente para permitir que levemos em consideração o passado nem o futuro. É uma sensação “zen”, como meditar ou se concentrar intensamente. O tempo parece deixar de correr normalmente, as horas parecem passar em minutos, a maioria dos pesquisados relatam que o tempo parece passar mais rapidamente.

 

O paradoxo do flow no trabalho

Todos nós conhecemos pessoas que encaram o trabalho como algo que elas mais apreciam na vida. 

No entanto, não é essa a expressão da maioria dos trabalhadores no mundo. O mais comum de escutarmos é que o trabalho é algo obrigatório de se aturar, um fardo imposto pela sociedade, uma atividade que suga toda sua alegria de viver.

No entanto, nas pesquisas de Mihaly percebeu-se uma situação paradoxal: no trabalho as pessoas se sentem boa parte do tempo hábeis e desafiadas, portanto, felizes, fortes, criativas e satisfeitas. Em 54% dos relatos, no trabalho as pessoas estavam felizes, desafiadas, em estado mental de flow, em contrapartida, em atividades de lazer (fora do trabalho) as pessoas relataram estarem felizes, desafiadas e em estado mental de flow em apenas 18%.

O problema parece estar na relação com o trabalho, no modo como se percebe as metas pessoais em relação ao seu trabalho. Quando sentimos que investimos atenção em um trabalho contra nossa vontade, é como se nossa energia fosse desperdiçada, em vez de nos ajudar a conquistar os nossos objetivos, ela está sendo utilizada para transformar somente o sonho dos outros.

Podemos concluir assim, que a aquela máxima de buscarmos o que nos faz bem no trabalho ou um trabalho que nos faz bem, está correta.

Outro problema parece estar em como as pessoas têm aproveitado o tempo livre, buscando cada vez mais somente o prazer em vez de usufruir do flow nas atividades de lazer.

 

Considerações finais

Em resumo, o que torna as atividades propícias ao flow são: elas terem sido planejadas para gerar uma ótima experiência, as regras exigirem o aprendizado de habilidades e determinarem desafios (metas), a possibilidade de feedback imediato e a grande concentração e envolvimento na atividade.

Se refletirmos, todos esses elementos estão presentes em nossas atividades no dia a dia nas empresas e no cotidiano, cabe a nós estarmos atentos e colocarmos em prática em busca de mais flow em nossas vidas.

 

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Autor: Rodrigo de Paula | Sócio da VBMC Consultores

 

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