Comunicação Não-Violenta nas empresas: como praticar?

 

Introdução

Questões como valorização das pessoas tomam cada vez mais força no ambiente corporativo. Muitos autores afirmam que estamos passando por uma era de transição, onde há uma queda cultural das influências materialistas e um fortalecimento das relações humanizadas.

Podemos notar principalmente nos projetos mais novos de empreendedorismo, como em start ups, uma visão de negócio muito mais ampla do que somente a lucratividade e o resultado financeiro. Tomam força questões como qualidade de vida e saúde mental. Além disso, estão cada vez mais fortes outras questões representadas pelo acrônimo em inglês ESG – “Environmental, Social and Governance”, em português: Ambiental, Social e Governança.

Grandes empresas, líderes e executivos influenciadores não estão às margens desse movimento. Muito pelo contrário, hoje é notório percebermos um ativismo em redes sociais, mesmo que muitas vezes “não sinceros” de CEOs e líderes de diversas empresas sobre o tema de valorização das pessoas e relações mais humanizadas no ambiente corporativo.

Nesse contexto, são muito bem-vindas as técnicas para aprimoramento dos relacionamentos pessoais e profissionais como a Comunicação Não-Violenta (CNV), apresentada pelo Dr. Marshall B. Rosenberg.

Este artigo tem o objetivo de contribuir com as relações interpessoais no ambiente corporativo, apresentando de forma sintética a técnica denominada CNV, descrita no livro Comunicação Não-Violenta, de Marshall B. Rosemberg.

 

O cerne da Comunicação Não-Violenta

Rosemberg atribuiu o nome de Comunicação Não-Violenta utilizando a mesma acepção que Mahatma Ghandhi atribuía ao termo não-violência.

A não violência é o artigo número um de minha fé – e é também o último artigo de meu credo” – Mahatma Gandhi.

Embora possamos muitas vezes não considerar o ato de falarmos como potencial “violência”, de fato a nossa comunicação pode sim induzir a mágoa e a dor nas pessoas.

Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi e presidente do M.K. Institute for Nonviolence, descreve no prefácio do livro de Rosemberg que “O mundo em que vivemos é aquilo que fazemos dele. Se hoje é impiedoso, foi porque nossas atitudes o tornaram assim. Se mudarmos a nós mesmos, poderemos mudar o mundo, e essa mudança começará por nossa linguagem e nossos métodos de comunicação”.

A CNV se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de permanecermos “humanizados” mesmo em condições adversas. É uma forma simples e ao mesmo tempo muito transformadora, que não nos traz nada de novo, só nos lembra o que já sabemos e não praticamos. A Comunicação Não-Violenta nos ajuda a escutar profundamente a nós e aos outros, fortalece o respeito, a atenção e a empatia.

 

O processo da Comunicação Não-Violenta nas empresas

A Comunicação Não-Violenta ajuda a nos conectarmos uns aos outros e a nós mesmos, favorecendo uma compaixão natural. Ela nos guia a reformularmos a maneira como nos expressamos e escutamos os outros.

O processo da CNV é apresentado por quatro componentes:

 

1. Observação

O desafio do primeiro componente da CNV é apenas observar em vez de observar e avaliar. A técnica nos mostra que precisamos observar claramente o que vemos, ouvimos ou tocamos sem avaliar.

A técnica nos ajuda a separar muito claramente a observação da avaliação. Rosemberg afirma que quando combinamos observação com avaliação, as pessoas tendem a receber isso como crítica.

Abaixo adaptamos um quadro que distingue as observações isentas de avaliação daquelas que fazemos avaliações associadas:

 

2. Sentimento

O segundo componente da prática da Comunicação Não-Violenta nas empresas é expressar o nosso sentimento. Nosso repertório de palavras para rotular ou avaliar as pessoas costuma ser muito maior do que o nosso vocabulário sobre os nossos estados emocionais.

Rosemberg afirma que expressarmos verdadeiramente nossas vulnerabilidades e os nossos sentimentos nos ajuda a resolver os conflitos. Porém, precisamos distinguir muito bem sentimentos de pensamentos.

Quando falamos: “Sinto que sou um mau jogador de futebol”, estamos avaliando uma habilidade em vez de expressar um sentimento. A expressão que apresenta o sentimento seria: “Estou me sentindo desapontado comigo mesmo como jogador de futebol.”

Ao expressarmos nossos sentimentos, é muito útil utilizarmos palavras que se referem às emoções específicas em vez de palavras vagas ou genéricas. Por exemplo, se dissermos: “não estou me sentindo bem a esse respeito” é muito vago. A palavra “bem” pode significar feliz, entusiasmado, aliviado ou vários outros sentimentos.

CNV promove o exercício de aumentarmos o nosso vocabulário e conhecimento sobre os nossos sentimentos. Neste sentido, segue o quadro abaixo com uma série de sentimentos possíveis, para que possamos expressá-los claramente:

 

3. Necessidades

O terceiro componente da Comunicação Não-Violenta é o reconhecimento das necessidades que estão por detrás dos sentimentos. O que os outros dizem e fazem pode ser o estímulo, mas nunca a causa de nossos sentimentos.

Podemos aprofundar a consciência de nossa própria responsabilidade ao utilizarmos a frase “Sinto-me assim por que eu…”, conforme os exemplos:

  • “Sinto-me realmente irritado quando erros de ortografia como esse aparecem em nossos posts nas redes sociais, por que eu quero que nossa empresa projete uma imagem profissional.”
  • “Sinto-me ressentido pela minha liderança não ter cumprido sua promessa, porque eu contava com aquele fim de semana prolongado para ir visitar meu irmão.”

Dessa forma, podemos facilitar muito o processo de comunicação, pois estaremos provavelmente promovendo a empatia e a compaixão em nossos interlocutores.

 

4. Pedido

Depois de expressarmos o que estamos observando, sentindo e necessitando, de acordo com os três primeiros componentes da CNV, o quarto e último componente aborda a questão do que gostaríamos de pedir aos outros.

Aprendemos que devemos fazer tudo isso (três primeiros componentes) sem criticar, analisar ou culpar os outros.

Quando as nossas necessidades não estão sendo atendidas, de acordo com o quarto componente, fazemos então um pedido específico. Pedimos que sejam feitas ações que possam satisfazer nossas necessidades.

Seguem algumas orientações de como realizar o pedido:

  • Utilize uma linguagem positiva ao fazer pedidos: sempre solicite o que você quer e não o que você não quer. As solicitações negativas tendem a provocar resistência;
  • Formule pedidos em linguagem clara, positiva de ações concretas que revele o que realmente queremos. Em vez de pedir por exemplo: “Gostaria que você não passasse tanto tempo no trabalho”, peça: “Gostaria que você passasse pelo menos três noites por semana em casa com as crianças e comigo”. Quanto mais claros a respeito do que queremos obter, maior a chance de conseguirmos.

 

Considerações finais

Apresentamos aqui neste artigo apenas um resumo, muito sintético, da utilização da Comunicação Não-Violenta nas empresas, no sentido de fomentarmos a curiosidade e transmitirmos o conceito por detrás da técnica.

A aplicação da CNV no dia a dia corporativo é possível na grande maioria das situações de comunicação, mas exige uma boa dose de disciplina no sentido de quebrarmos o hábito que temos de observar e avaliar ao mesmo tempo e, principalmente, uma boa dose de humildade ao expor os nossos sentimentos de forma transparente.

Percebemos que muitas pessoas intuitivamente já utilizam parte ou integralmente essa técnica e conseguem provocar muito bem a empatia e a compaixão nos seus interlocutores.

É notório que muitos líderes com perfis mais persuasivos estão dispostos a expor de forma mais intensa os seus sentimentos, sem julgamentos, e apresentar as suas necessidades de forma clara e objetiva, obtendo com mais frequência o engajamento da sua equipe.

 

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Autor: Rodrigo de Paula | Sócio da VBMC Consultores

 

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